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Sérgio de Andrade Nishioka
Médico infectologista e Doutor em Epidemiologia
Resumo: Ultimamente ouve-se, e lê-se nas redes sociais, com alguma frequência, que a prova de que as vacinas contra a COVID-19 não funcionam é que as mortes por esta doença estariam igualmente divididas entre vacinados e não vacinados. Tais informações são trazidas por pessoas que são contra as vacinas, mas também por outras que são apenas desinformadas. Mesmo ignorando as mensagens deliberadamente falsas, dados oficiais sobre mortes por Covid de fato têm incluído uma proporção crescente de pessoas já vacinadas, seja com esquema primário completo ou não e, entre os primeiros, que receberam ou não dose de reforço. Como pode ser isso?
Artigo publicado na revista Scientific American explica claramente do que se trata, com base em dados oficiais dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, para março de 2022 [1]. Naquele mês, em 28 Departamentos de Saúde locais (municipais) e estaduais representativos do país, e que monitoram óbitos por Covid em pessoas a partir dos 12 anos de idade, a média semanal de mortes por esta doença foi de 644 casos, dos quais 383 não eram vacinados, e dos 261 restantes, 143 haviam recebido apenas o esquema de vacinação primário completo (duas doses das vacinas da Pfizer ou da Moderna ou uma dose da vacina da Janssen, que são as vacinas disponíveis naquele país), e 118 o esquema primário completo mais pelo menos uma dose de reforço.
A diferença entre 383 e 261, embora tenham morrido mais não vacinados do que vacinados, não é tão grande assim, e se levarmos em consideração apenas os números absolutos, talvez não seja suficiente para convencer alguns sobre a vantagem de se vacinar. Ocorre que não basta contar as mortes e compará-las entre vacinados e não vacinados, é necessário também saber quantas pessoas foram vacinadas. No caso, cerca de 127 milhões, somando-se os que receberam apenas vacinação primária com os que receberam dose(s) de reforço, enquanto cerca de 38 milhões não receberam a vacina. Sim, nos Estados Unidos, já em março, a grande maioria das pessoas a partir de 12 anos de idade já tinha sido imunizada contra a Covid e, parte delas, inclusive recebido uma ou duas doses de reforço.
Quando se compara coeficientes de mortalidade (expressos pelo número de óbitos por 100.000 pessoas) ao invés de números absolutos de mortes entre vacinados e não vacinados, a diferença entre eles é marcante. Entre as pessoas não vacinadas o coeficiente semanal de mortalidade por 100.000 pessoas (padronizado por idade, para a população de 12 anos de idade ou mais) foi de 1,71, enquanto entre as pessoas vacinadas e que receberam reforço(s) ele foi de, respectivamente, 0,22 e 0,1 por 100.000.
Uma forma de comparar esses coeficientes de mortalidade é calcular a razão entre eles. No mês de março de 2022 a mortalidade por COVID-19 em pessoas de 12 anos ou mais entre não vacinados foi 17 vezes mais alta que a observada entre vacinados que receberam reforço da vacina, e 8 vezes mais alta do que os que só receberam o esquema primário de imunização, o que sugere o papel protetor conferido pelas doses de reforço.
A COVID-19 é uma doença mais grave em pessoas idosas, que são mais hospitalizadas e têm maior risco de necessitar de cuidados intensivos do que crianças e adultos jovens. Também são os idosos que têm maior risco de morrer pela Covid. É interessante, pois, estratificar os coeficientes por faixas etárias. Feito isso para os dados do CDC para o mês de março de 2022, para pessoas de 65 anos de idade ou mais o coeficiente de mortalidade por Covid entre não vacinados foi de 9,29 por 100.000, entre vacinados (apenas esquema primário) foi de 1,18, e entre os que receberam dose(s) de reforço foi de 0,55.
A diferença entre vacinar-se contra a COVID-19 ou não continua clara, a probabilidade de se morrer por Covid sendo muito mais alta entre os não vacinados, diferença que é principalmente devida à redução da probabilidade de morte entre os vacinados na faixa etária de 65 anos ou mais. Dose(s) de reforço da vacina também mostraram um benefício adicional na redução de óbitos por Covid.
Quanto maior a cobertura vacinal contra a Covid, menor vai ser o número de pessoas não vacinadas e, assim sendo, a comparação do número absoluto de eventos, como óbitos, entre vacinados e não vacinados passa a induzir ao erro. O indicado é a comparação de coeficientes, que leva em consideração não só os numeradores, mas também os denominadores.
Referência
[1] Montañez A, Lewis T. How to compare COVID deaths for vaccinated and unvaccinated people. Scientific American, 7 de junho de 2022. (Disponível em https://www.scientificamerican.com/article/how-to-compare-covid-deaths-for-vaccinated-and-unvaccinated-people/).