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Resumo: Entre sapos, salamandras e cobras-cegas, os anfíbios formam um grupo de animais que, embora diversos, são quase sempre representados por bichinhos de pequeno tamanho, mas nem sempre foi assim. No início do período Triássico, antes mesmo dos primeiros dinossauros, os anfíbios eram os animais dominantes nos ecossistemas. Chegavam a tamanhos gigantescos e tinham uma aparência e modo de vida semelhante ao dos atuais jacarés e crocodilos.
E foi em rochas deste período que paleontólogos e paleontólogas liderados pela equipe do Laboratório de Paleobiologia do Campus São Gabriel da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) fizeram uma impressionante descoberta: o crânio de uma nova espécie de anfíbio gigante. O novo bicho foi encontrado em uma fazenda na área rural do município de Rosário do Sul, interior do Rio Grande do Sul, e viveu há, aproximadamente, 250 milhões de anos.
O bicho ganhou o nome de Kwatisuchus rosai. “Kwati” em referência ao termo Tupi para focinho comprido (a cabeça do bicho era afilada como a dos crocodilos atuais). O “sobrenome” rosai homenageia o paleontólogo Átila Stock Da-Rosa, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O professor Da-Rosa foi um pioneiro na localização de sítios fossilíferos desta idade, dentre os quais o local onde foi encontrada a nova espécie, bem como no seu estudo e proteção.
“O Kwatisuchus era um sobrevivente. Viveu em um ambiente devastado pela maior extinção em massa da história do planeta”, explica o paleontólogo da Unipampa, Felipe Pinheiro, que coordenou a pesquisa. “Já que eram animais adaptados a condições de alto estresse ambiental, os anfíbios temnospôndilos acabaram se tornando abundantes em todo mundo. Eles nos ajudam a entender como as extinções afetaram o planeta e como podemos reconhecer seus efeitos atualmente”.
Os temnospôndilos, grupo ao qual pertence o Kwatisuchus, eram animais carnívoros e raramente pequenos, eram abundantes em ecossistemas aquáticos, mas também tinham representantes terrestres. Estima-se que os maiores poderiam chegar a quase 5 metros. Embora gigantesco para os padrões atuais, o Kwatisuchus, que tem um tamanho estimado de 1,5 m, era um temnospôndilo de médio porte.
“Este foi o grupo mais diverso de tetrápodes primitivos, com registro em todos os continentes da Terra. Os temnospôndilos sobreviveram à maior extinção em massa de todos os tempos. Possuem um amplo registro nos períodos geológicos, e tiveram vários pulsos de irradiação ao longo dos milhões de anos de sua existência”, conta o paleontólogo Estevan Eltink Nogueira, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).
O crânio do Kwatisuchus foi descoberto em agosto de 2022. Depois disso, passou por um delicado processo de limpeza e preparação nas instalações da Unipampa. Após completamente livre da rocha, o animal foi estudado em detalhe e a nova espécie ganhou um nome.
“Certamente o achado mais emocionante que já participei. Estávamos encerrando as buscas no sítio após encontrar poucos fragmentos ao longo do dia. Foi quando notei o que parecia ser um pedaço de osso mais alongado, e apenas no momento de sua coleta é que percebemos que se tratava de um pedaço do crânio em perfeitas condições! E já, ali mesmo, sabíamos que se tratava de algo fantástico e completamente novo!”, conta Voltaire D. Paes Neto, pesquisador em uma parceria entre a Unipampa e a Universidade de Harvard.
Com seu estudo detalhado, os cientistas ficaram surpresos com o fato de que os parentes mais próximos de Kwatisuchus são todos encontrados na Rússia. Essa semelhança mostra que as faunas brasileiras e russas tinham uma intrigante conexão em um passado distante.
“Naquele momento, os continentes estavam unidos em um supercontinente chamado Pangeia e a distância entre o Brasil e a Rússia era menor. Ainda assim, existiam barreiras. É incrível encontrar esse e outros animais que provavelmente conseguiram ultrapassar esses obstáculos. Participar do achado dessa nova espécie foi muito emocionante e suas similaridades com espécies russas instigam novos estudos para entender como essas conexões se deram”, explica a ecóloga e paleontóloga Arielli Fabrício Machado, pesquisadora da Unipampa, em parceria com a Universidade de Harvard.
Os cientistas destacam a importância da parceria entre fazendeiros e paleontólogos na realização das descobertas. “Os sítios fossilíferos normalmente ficam dentro das fazendas, de forma que o entusiasmo e interesse dos proprietários de terras é fundamental. Ao contrário do que muitos pensam, as descobertas paleontológicas não resultam em qualquer dano à propriedade”, explica Pinheiro.
A pesquisa é apoiada por um financiamento de pesquisa Lemann-Brasil, concedida à professora de Harvard, Stephanie Pierce, em colaboração com Felipe Pinheiro e o ex-pesquisador de Harvard e coautor Tiago Simões, atualmente na Universidade de Princeton.
"Os fundos da Lemann permitiram à nossa equipe a liberdade para procurar novos e importantes fósseis no Sul do Brasil, aqueles que viveram no rescaldo da maior extinção em massa de todos os tempos, a extinção Permo-Triássica há 252 milhões de anos", disse Pierce. "Esse esforço colaborativo está ajudando a lançar luz sobre como os ecossistemas respondem à instabilidade climática, quais espécies sobrevivem e quais sucumbem."
O estudo acaba de ser publicado na revista científica especializada The Anatomical Record. Além dos cientistas brasileiros, o trabalho contou com a participação de Tiago Simões, da Universidade de Princeton, e da paleontóloga Stephanie Pierce, da Universidade de Harvard.
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