quinta-feira, 25 de abril de 2024

Aumenta nos hospitais brasileiros a presença de bactérias resistentes a antibióticos (com questões ao final)

Link para matéria completa: https://revistapesquisa.fapesp.br/aumenta-nos-hospitais-brasileiros-a-presenca-de-bacterias-resistentes-a-antibioticos/

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a  licença Creative 
Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui. Ricardo Zorzetto, da Revista Pesquisa FAPESP - Edição 335

Resumo: Microrganismos mataram pelo menos 33 mil pessoas no país em 2019. 

Nazareno Scaccia calçou um par de luvas, apanhou um balde de aço esterilizado e o atou à extremidade de uma corda. Em seguida, baixou-o até o fundo da galeria que recebe o esgoto dos bairros centrais de São Caetano, na Região Metropolitana de São Paulo, antes de içá-lo cheio de uma água levemente turva, com coloração amarela-acastanhada e odor desagradável. Armazenou o líquido em um galão plástico e usou uma seringa acoplada a um filtro para preencher um pequeno frasco. “Fazemos isso para separar os microrganismos e evitar que degradem os compostos químicos presentes na água”, explicou o microbiologista italiano, que faz estágio de pós-doutorado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Algumas bactérias são capazes de digerir o princípio ativo dos antibióticos, o que atrapalha a detecção desses compostos na água.

Naquela manhã de 6 de novembro, Scaccia e as biólogas Miriam Lopes da Silva e Francisca Peternella ainda percorreriam outros oito pontos da cidade vizinha a São Paulo repetindo o procedimento. A água coletada da torneira, de riachos e do esgoto comum e hospitalar seria depois levada a um laboratório na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP para verificar a presença de bactérias resistentes a antibióticos. O trabalho é parte de um projeto internacional, coordenado no Brasil pela infectologista Anna Sara Levin, da FM-USP, que se destina a avaliar se a prescrição e o uso adequado desses medicamentos podem reduzir o surgimento e a dispersão de microrganismos contra os quais os antibióticos não produzem mais o efeito desejado.


A disseminação de bactérias e outros microrganismos resistentes a quase todos os antimicrobianos disponíveis é um pesadelo mundial. Ela ocorre desde que os primeiros antibióticos começaram a ser usados e avança rapidamente, tirando o sono dos especialistas por representar uma ameaça a uma das maiores conquistas da medicina moderna: a capacidade de debelar infecções. Sem antibióticos eficientes, fica quase impossível realizar cirurgias, transplantes e tratamentos quimioterápicos contra o câncer em segurança. Problemas comuns, como um corte mais profundo ou uma infecção respiratória, podem se tornar uma ameaça à vida.

“Poucas intervenções aumentaram tanto a longevidade humana quanto a oferta de água tratada e o desenvolvimento de vacinas e antibióticos”, conta o infectologista Arnaldo Lopes Colombo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que coordena o Instituto Paulista de Resistência aos Antimicrobianos, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP. Algumas estimativas indicam que o uso de antibacterianos para tratar infecções aumentou a longevidade humana em cerca de 20 anos.

Antibióticos são compostos químicos que inibem o crescimento de bactérias ou as matam. Agem apenas contra esses microrganismos, e não funcionam, por exemplo, contra vírus. Tecnicamente, o termo é usado para definir os compostos de origem natural (produzidos por fungos ou outras bactérias) que eliminam bactérias patogênicas. Popularmente, no entanto, ele é empregado para as moléculas sintéticas ou semissintéticas que exterminam esses microrganismos. Há cerca de 12 classes de antibióticos. Cada uma atua em um ponto diferente da estrutura ou do funcionamento das bactérias (ver infográfico).


Expostas à concentração adequada dos antibióticos e por tempo suficiente, as bactérias facilmente morrem. Se a dosagem e duração do tratamento forem inferiores ao necessário para aniquilá-las, uma parte pode sobreviver e se multiplicar, acumulando alterações no material genético que permitem escapar à ação dos fármacos.

As bactérias estão em todos os lugares: na água, no solo, no ar e nas superfícies, inclusive do nosso corpo. Com o uso intensivo de antibióticos na saúde humana e na produção de alimentos, para proteger ou tratar os animais de criação de doenças e induzir ganho de peso, as bactérias são continuamente expostas a esses fármacos. Esse contato favorece a seleção das variedades resistentes.

“Estamos vendo surgir bactérias contra as quais não há mais medicamentos eficazes”, relata a infectologista brasileira Fernanda Lessa, chefe do programa internacional de controle de infecções dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Ela coordenou um suplemento especial sobre o assunto, publicado em julho de 2023 na revista Clinical Infectious Diseases, e afirma: “Por sorte as infecções causadas por esses microrganismos ainda são relativamente raras na comunidade e estão quase sempre restritas aos hospitais”.

Mesmo assim, as infecções por bactérias resistentes a múltiplos medicamentos – também chamadas de multirresistentes ou superbactérias – causam um estrago enorme. Um levantamento coordenado pelo epidemiologista Ramanan Laxminarayan, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, estimou que, a cada ano, no mundo, ocorram 136 milhões de casos de infecção hospitalar causados por esses microrganismos. Segundo os dados, publicados em junho de 2023 na revista PLOS Medicine, a China é, de longe, a nação mais afetada, com 52 milhões de registros. O Brasil aparece em quinto lugar, com 4 milhões de casos.

No mundo todo, esses microrganismos foram os responsáveis diretos por 1,27 milhão de mortes em 2019. Quando se incluem os casos em que o indivíduo tinha outra doença além da infecção, esse número sobe para 4,95 milhões, próximo ao total de óbitos registrados em três anos de pandemia de Covid-19 e bem superior à soma das mortes anuais por malária, Aids e tuberculose.

Essas cifras foram calculadas por um grupo internacional de pesquisadores, do qual participaram brasileiros, com base em dados de 204 países. Publicado em 2022 na revista The Lancet, o trabalho mostra que quase 80% dos óbitos decorreram de infecções no trato respiratório inferior (bronquites e pneumonias), no sistema circulatório ou na cavidade abdominal.

Seis espécies de superbactérias foram responsáveis por ao menos 70% das mortes: Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Streptococcus pneumoniae, Acinetobacter baumannii e Pseudomonas aeruginosa. Todas integram a lista de patógenos prioritários, publicada em 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), contra os quais é preciso desenvolver novos antibióticos.

Com 14% da população mundial, os 35 países das Américas concentram aproximadamente 11% das mortes por infecções bacterianas resistentes a antibióticos. Foram 141 mil óbitos diretamente provocados por esses microrganismos e 569 mil associados a eles em 2019, segundo estudo publicado em agosto de 2023 na revista The Lancet Regional Health – Americas. Novamente, a grande maioria (80%) foi causada pelos seis patógenos. As ocorrências, em números absolutos, estão concentradas nas nações mais populosas: Estados Unidos e Brasil. Aqui, foram 33,2 mil mortes (cerca de 90 por dia) diretamente causadas por infecções resistentes e 138 mil nas quais as superbactérias tiveram alguma participação. “Os grupos mais afetados estão nos extremos da pirâmide etária da nossa população, os bebês de até 1 mês de vida e as pessoas com mais de 65 anos”, conta o pediatra Eitan Berezin, da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, um dos autores do estudo.

“Suspeito que hoje o número de mortes no Brasil e no mundo seja ainda mais elevado”, relatou Lessa, do CDC, em entrevista por videochamada em setembro. “Esses estudos usaram dados de 2019 e na pandemia de Covid-19 aumentou o consumo de antibióticos”, disse.


Dois estudos coordenados por ela e publicados em julho na Clinical Infectious Diseases indicaram essa tendência. Em um dos trabalhos, Lessa e colaboradores analisaram os registros de dispensação desses medicamentos em seis hospitais – dois no Brasil, dois no Chile e dois na Argentina – em dois períodos: entre março de 2018 e fevereiro de 2020 e no primeiro ano da pandemia. Com o aumento das internações após o surgimento do novo coronavírus, o uso de antibióticos cresceu nos seis hospitais (até 35%), algo antes observado nos Estados Unidos. No Brasil, também aumentaram as prescrições de antibióticos para tratar infecções respiratórias na comunidade. Entre janeiro de 2019 e março de 2020, foram receitados 19,9 milhões de doses, no primeiro ano da pandemia, 27,5 milhões, de acordo com o segundo estudo.

Antes mesmo do aparecimento do novo coronavírus já havia sinais do crescimento do consumo desses medicamentos no mundo. Laxminarayan, de Princeton, e colaboradores rastrearam a venda de antibióticos em 76 países de 2000 a 2015 e observaram dois efeitos. O primeiro foi um aumento de 65% na quantidade consumida, de 21,1 bilhões para 34,8 bilhões de doses diárias, segundo estudo publicado em 2018 na revista PNAS. O segundo é que cresceu quase 40% a proporção de pessoas usando esse tipo de medicamento: havia 11,3 doses diárias para cada mil habitantes em 2000 e 15,7 por mil em 2015. A elevação foi puxada pela melhora econômica em países de média e baixa renda. Apesar da subida, estima-se que 6 milhões de pessoas morram por ano no mundo por falta de acesso a antibióticos.

O aumento no uso desses fármacos, intensificado na pandemia, e a superlotação dos hospitais parecem ter contribuído para a dispersão de genes que permitem às bactérias se livrar de medicamentos.

No Brasil, essa tendência foi observada pelo infectologista Carlos Kiffer, da Unifesp, e colaboradores da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Eles analisaram os dados provenientes de testes genéticos de mais de 80 mil amostras de bactérias coletadas em hospitais de quase todo o país de 2017 a 2022 e constataram que, na pandemia, houve um aumento significativo (de 4 a 21 pontos percentuais) na frequência de genes que conferem a oito espécies de bactérias resistência aos carbapenêmicos, antibióticos considerados o último recurso para tratar infecções hospitalares graves. Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli e Acinetobacter baumannii estavam entre os principais microrganismos, segundo o trabalho, publicado em julho na Clinical Infectious Diseases. “Havia evidências pontuais de que alguns desses genes estavam se tornando mais comuns no país. Ajudamos a dimensionar o problema”, conta Kiffer.

Para a infectologista Anna Levin, da USP, coordenadora do projeto de rastreamento citado no início desta reportagem, a ocorrência de infecções hospitalares por bactérias resistentes é um reflexo da qualidade do atendimento. “Quando o sistema está no limite, com excesso de pacientes e poucos profissionais para atender, as taxas de infecção aumentam”, afirma a pesquisadora, que preside a comissão de controle de infecção do Hospital das Clínicas da USP, o maior complexo de saúde do país. Durante a pandemia, o grupo de Levin conseguiu controlar a disseminação de infecções por bactérias multirresistentes no pronto-socorro do hospital ao submeter as pessoas que eram internadas a testes de detecção dos patógenos e isolar aquelas colonizadas, tratando-as separadamente.

Embora a resistência a antibióticos seja um problema antigo, só recentemente o mundo passou a prestar atenção a ele, por causa de dois documentos: um relatório de 2014 da OMS, que mostrou que o fenômeno estava disseminado pelo planeta, e um estudo conduzido pelo economista James O’Neill, a pedido do governo do Reino Unido, que projetou um cenário catastrófico para 2050. Se nada for feito, as infecções resistentes aos antibióticos deverão causar 10 milhões de mortes por ano na metade do século e provocar perdas na economia que podem chegar a US$ 100 trilhões.

Em sua edição de 2016, o livro Microbiologia de Brock, adotado em cursos da área da saúde, informa que ao menos 10 mil toneladas de antibióticos são produzidas por ano no mundo e utilizadas na saúde humana e animal. Uma consequência é que esses produtos, mesmo quando usados de forma correta, contaminam o ambiente, favorecendo o surgimento de bactérias resistentes. “No Brasil, não é obrigatório tratar o esgoto hospitalar para a eliminação de bactérias presentes na urina e fezes dos pacientes ou no ambiente hospitalar. Não temos um bom sistema de vigilância que integre a frequência de microrganismos resistentes nos hospitais e monitore a sua disseminação para a comunidade e o meio ambiente”, conta Ana Gales, a infectologista da Unifesp que estuda o assunto.

Nos últimos anos, uma série de trabalhos trouxe evidências de que o problema que deveria ser predominantemente hospitalar já se acentuou no ambiente. A equipe da farmacêutica bioquímica Eliana Stehling, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP, acompanha a dispersão de bactérias multirresistentes a antibióticos em quase 50 cidades no norte do estado e já detectou esses microrganismos em amostras de solos de áreas agrícolas e de criação de animais, além de águas de rios, córregos e riachos. “No ambiente, em especial na água, esses fármacos podem selecionar superbactérias, acelerando a dispersão da resistência antimicrobiana, uma vez que esses microrganismos trocam material genético entre si”, conta o farmacêutico João Pedro Furlan, do grupo de Ribeirão Preto.

No campus de São Paulo da USP, o microbiologista chileno Nilton Lincopan e sua equipe já identificaram bactérias resistentes onde quer que se possa imaginar. Elas estão na água dos rios Tietê e Pinheiros, que cortam a capital, e infectando tartarugas, pinguins, baleias e golfinhos, além de aves marinhas, no litoral brasileiro. “Registramos uns 30 casos nos últimos quatro anos”, conta o pesquisador.

Também foram encontradas em cães e gatos atendidos em clínicas e hospitais veterinários da cidade e em amostras de alface, rúcula e repolho frescos vendidos no principal entreposto comercial de São Paulo. “Algumas variedades são resistentes ao ambiente ácido. Isso significa que podem sobreviver à passagem pelo estômago e colonizar o intestino de quem come uma verdura mal lavada”, explica Lincopan.

O fenômeno que se observa há mais tempo entre as bactérias ocorre também com os fungos, embora seja mais difícil de mensurar pela falta de dados. Por essa razão, em 2022, a OMS lançou a primeira lista de patógenos fúngicos prioritários para planejamento de ações de saúde pública. Nela, foi incluída a levedura Candida auris, que vem causando surtos em hospitais de todos os continentes. “As infecções por fungos multirresistentes aos medicamentos existentes são menos comuns, mas podem ser mais letais que as bacterianas”, afirma Colombo, da Unifesp, um estudioso do problema.

Diante desse cenário, os especialistas recomendam algumas medidas. As mais simples e abrangentes, a serem praticadas por todos, são realizar boa higiene pessoal e dos alimentos, além de se vacinar contra os microrganismos para os quais há imunizante, como certas bactérias causadoras de pneumonia, tuberculose e meningite. Outra é usar de modo otimizado e rigoroso os medicamentos. Os médicos devem prescrever antibióticos apenas para as infecções bacterianas, se possível com o auxílio de testes que permitam saber qual o fármaco mais adequado para cada caso, e antifúngicos para as infecções por fungos. Já o paciente deve usar a dose recomendada e pelo tempo indicado, mesmo que melhore antes. Sempre que possível, o ideal é manter-se longe dos hospitais e, quando necessário, passar neles o menor tempo possível.


QUESTÕES

01. “Poucas intervenções aumentaram tanto a longevidade humana quanto a oferta de água tratada e o desenvolvimento de vacinas e antibióticos”, conta o infectologista Arnaldo Lopes Colombo, da Universidade Federal de São Paulo.
Considerando a informação acima, é CORRETO afirmar
A) O flúor presente na água tratada é o principal agente aque atua inativando vírus e bactérias.
B) As vacinas possuem anticorpos capazes de auxiliar nosso organismo no combate a infecções.
C) As vacinas podem conter o agente patológico incapaz de provocar doenças mas que ativa nosso sistema imunológico.
D) Os antibióticos são produzidos principalmente por fungos e são enzimas capazes de matar bactérias causadoras de doenças.
E) Os antibióticos têm uma forte ação sobre vírus, sendo medicamentos de escolha no tratamento de gripes e resfriados.

02. A eritromicina, o cloranfenicol e as tetraciclinas são antibióticos que atuam prejudicando o funcionamento dos ribossomos bacterianos. É lícito concluir que esses antibióticos atuam contra as bactérias por interferir diretamente na síntese de substâncias como
A) enzimas.
B) carboidratos.
C) lipídeos.
D) ácidos nucléicos.
E) vitaminas.

03. As penicilinas, as cefaloporinas e os carbapenemas são antibióticos que atuam prejudicando a formação da parede celular bacteriana. Uma bactéria que não consegue formar a parede celular pode morrer devido a
A) incapacidade de produzir ATP.
B) inexistência dos mecanismos de permeabilidade seletiva.
C) inativação das moléculas de clorofila associadas à parede celular.
D) entrada excessiva de água com rompimento da célula.
E) liberação das enzimas digestivas presentes nos lisossomos bacterianos.

04. A rifampicina é um dos antibióticos que inibe a produção de RNA-mensageiro pela célula bacteriana. Quando se aplica esse antibiótico numa bactéria, a mesma continua produzindo proteínas por algum tempo até que finalmente cessa o processo de síntese de proteínas e morre.
A síntese de proteínas não é paralisada imediatamente após o contato da bactéria com a rifampicina porque
A) a rifampicina precisa penetrar na célula bacteriana e reproduzir-se em seu interior.
B) primeiramente a rifampicina precisa inibir a produção de ATP para depois afetar a produção de RNA.
C) no interior da bactéria existe uma certa quantidade de RNA-mensageiro que foi produzida antes da administração do antibiótico.
D) para interferir na produção de RNA-mensageiro é preciso bloquear primeiro a produção dos outros tipos de RNA.
E) a bactéria produz anticorpos capazes de combater a rifampicina, e só quanto esses anticorpos acabam é que a rifampicina interfere na produção de RNA.

05. "No mundo todo, as bactérias resistentes a antibióticos foram responsáveis diretas por 1,27 milhão de mortes em 2019. Quando se incluem os casos em que o indivíduo tinha outra doença além da infecção, esse número sobe para 4,95 milhões, próximo ao total de óbitos registrados em três anos de pandemia de Covid-19 e bem superior à soma das mortes anuais por malária, Aids e tuberculose."
No texto acima foram citadas quatro doenças, causadas respectivamente por
A) vírus - vírus - vírus - bactéria
B) vírus - protozoário - vírus - bactéria
C) vírus - protozoário - bactéria - bactéria
D) bactéria - vírus - vírus - bactéria
E) protozoário - bactéria - vírus - vírus

O GABARITO ENCONTRA-SE AO FINAL DESTA PÁGINA...














GABARITO: 01.C   02.A   03.D   04. C  05. B

terça-feira, 23 de abril de 2024

Nova organela celular: Cientistas documentam fenômeno raro desde o surgimento da vida na Terra (com questões ao final)

Links para matéria completa:
https://revistagalileu.globo.com/ciencia/biologia/noticia/2024/04/cientistas-documentam-fenomeno-raro-desde-o-surgimento-da-vida-na-terra.ghtml
https://www.terra.com.br/byte/bacteria-evoluiu-para-nova-estrutura-celular-dentro-das-algas-descobrem-cientistas,e52b2d72e6d1010799f5b0af641bc913vbpb9ope.html 

Resumo: Registro de organela fixadora de nitrogênio, o "nitroplasto", é o quarto exemplo de endossimbiose primária na história e pode impactar a agricultura.
A primeira organela em uma célula eucariótica capaz de fixar nitrogênio foi registrada por uma equipe de pesquisa internacional. Publicada na Science no último dia 11 de abril (2024), a descoberta está sendo chamada de "nitroplasto" e foge à regra da biologia de que somente bactérias podem capturar o nitrogênio da atmosfera e convertê-lo de forma que possa ser usado por plantas.
Suspeita-se há mais de uma década que uma cianobactéria conhecida como UCYN-A que vive dentro da alga unicelular Braarudosphaera bigelowii se tornou uma organela. No entanto, estudar a parceria foi difícil, até que Kyoko Hagino, membro da equipe, da Universidade de Kochi, no Japão, encontrou maneiras de manter a alga B. bigelowii viva no laboratório.
Desde 1998, pesquisadores investigam esse organismo misterioso apelidado de UCYN-A. Na época, Jonathan Zehr, professo de ciências marinhas da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, nos EUA, encontrou no oceano Pacífico uma sequência de DNA que parecia pertencer a uma cianobactéria desconhecida fixadora de nitrogênio. Enquanto isso, Kyoko Hagino, paleontóloga da Universidade de Kochi, no Japão, tentava cultivar uma alga marinha. Acontece que a alga era o hospedeiro do UCYN-A.
Os artigos recentes sobre o caso sugerem que UCYN-A evoluiu com seu hospedeiro após a simbiose e pode ser considerado uma organela. Na história da vida na Terra, esse é o quarto exemplo de endossimbiose primária, processo em que uma célula procariótica é engolfada por uma célula eucariótica e evolui para uma organela.
"A primeira vez que achamos que isso aconteceu deu origem a toda a vida complexa. Tudo o que é mais complicado do que uma célula bacteriana deve sua existência a esse evento", diz Tyler Coale, pesquisador de pós-doutorado na UC Santa Cruz, referindo-se às origens das mitocôndrias.
"Há mais ou menos 1 bilhão de anos, isso aconteceu novamente com o cloroplasto, que deu origem às plantas", completa Coale, em comunicado. Já a terceira vez foi um micróbio que se assemelha a um cloroplasto.
Segundo os pesquisadores, a semelhança com uma organela pode ser observada pela sincronização das taxas de crescimento entre a célula hospedeira e o UCYN-A. "Se você observar as mitocôndrias e os cloroplastos, é a mesma coisa: eles se adaptam à célula", comenta Zehr.
Além disso, ele importa proteínas de suas células hospedeiras, o que caracteriza uma evolução de endossimbionte para organela. A proporção de tamanho entre UCYN-A e seus hospedeiros de algas é semelhante em diferentes espécies da alga haptofita marinha Braarudosphaera bigelowii.
Descobriu-se que a UCYN-A se divide em conjunto com a célula da alga, com cada célula-filha herdando uma UCYN-A. “Antes disso, não sabíamos como essa associação era mantida”, disse Coale em entrevista ao portal New Scientist.


Os cientistas descobriram ainda que cerca de metade das 2.000 proteínas diferentes dentro da UCYN-A vêm da alga hospedeira, em vez de serem produzidas dentro da UCYN-A.
Durante décadas, cientistas tentaram descobrir uma maneira de incorporar à agricultura a fixação natural de nitrogênio. No início do século 20, foi desenvolvida a capacidade de sintetizar fertilizantes de amônia a partir do nitrogênio, o que possibilita 50% da produção mundial de alimentos em um processo conhecido como Haber-Bosch, o qual gera cerca de 1,4% das emissões globais de gás carbônico.
"Esse sistema é uma nova perspectiva sobre a fixação de nitrogênio e pode fornecer pistas sobre como essa organela poderia ser projetada em plantas agrícolas", ressalta Coale. 
A nova organela foi encontrada em localidades desde os trópicos até o oceano Ártico e os pesquisadores esperam encontrar outros organismos com histórias evolutivas que se assemelham a ela.

QUESTÕES

01. "As células eucarióticas emergiram de ancestrais procarióticos, um marco evolutivo que impulsionou a complexidade e a diversidade da vida na Terra."
Durante o processo de surgimento das células eucarióticas a partir das procarióticas observou-se
A) o surgimento do ribossomo como organela de síntese de proteínas.
B) a reestruturação do material genético, que passa a não se associar mais às histonas.
C) o processo de compartimentalização do citoplasma, que aumenta a eficiência dos processos.
D) a modificação da composição química da membrana plasmática, que deixa de ser lipoprotéica.
E) o surgimento dos processos de obtenção de energia, inexistentes nas células procarióticas.

02. A endossimbiose primária é o processo pelo qual uma célula engloba outra célula bacteriana livre, estabelecendo uma relação simbiótica na qual a célula hospedeira mantém a endossimbionte em seu interior. São exemplos bastante estudados de endossimbiose primária a origem de
A) cloroplastos e mitocôndrias.
B) ribossomos e lisossomos.
C) centríolos e complexo Golgiense.
D) retículo liso e retículo rugoso.
E) proteínas motoras do citoesqueleto.

03. A fixação biológica de nitrogênio é o processo pelo qual certos microrganismos têm a capacidade de converter o nitrogênio atmosférico (N) em formas utilizáveis de nitrogênio pelas plantas, como
A) amônia e nitratos.
B) nitritos e nitratos.
C) amônia e nitritos.
D) ureia e amônia.
E) ureia e nitritos.

04. "A primeira organela em uma célula eucariótica capaz de fixar nitrogênio foi registrada por uma equipe de pesquisa internacional. Publicada na revista Science, a descoberta está sendo chamada de "nitroplasto" e foge à regra da biologia de que somente bactérias podem capturar o nitrogênio da atmosfera e convertê-lo de forma que possa ser usado por plantas."
A fixação de nitrogênio é importante para as plantas e algas pois diretamente permite que as mesmas produzam quantidades maiores de
A) carboidratos.
B) vitaminas.
C) lipídeos.
D) ácidos nucléicos.
E) proteínas.

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GABARITO: 01.C   02.A   03.A   04. E

sábado, 20 de abril de 2024

Praias brasileiras estão altamente poluídas por microplástico, indicam primeiros resultados de estudo (com questões ao final)

REVISTA DA USP - Texto: Gabriele Mello - Arte: Simone Gomes

Link para matéria completa: https://jornal.usp.br/ciencias/praias-brasileiras-estao-altamente-poluidas-por-microplastico-indicam-primeiros-resultados-de-estudo/

Resumo: Em fase de coleta em toda a costa brasileira, primeiras análises do Projeto MICROMar sugerem que São Paulo, Paraná, Sergipe e Bahia estão entre estados mais poluídos.
Desde abril de 2023, o pesquisador do Instituto Federal Goiano Guilherme Malafaia e uma equipe de pesquisadores viajam pela costa recolhendo porções de areia e água do mar para avaliar a presença e composição de microplásticos na costa de cada estado do País, através do projeto MICROMar. Com a contribuição de universidades estaduais e federais, entre elas a USP, mais de mil praias já foram visitadas, e a previsão é que o número de amostras chegue a oito mil.


O projeto quer identificar e quantificar o microplástico com base na diversidade do litoral brasileiro, considerando a ocupação, turismo e características climáticas.
“A grande inovação do projeto, não é o estudo do microplástico, mas a extensão do trabalho”, destaca Marcelo Pompêo, professor do Departamento de Ecologia Instituto de Biociências (IB) da USP e um dos pesquisadores envolvidos, sobre a abrangência do estudo no território nacional. 
Os microplásticos são partículas muito pequenas de plástico, de até cinco milímetros. São divididos em primários – usados como matéria-prima em indústrias como a de cosméticos e farmacêuticas – e os secundários, resultantes da fragmentação de pedaços de plástico maiores, ou seja, aquele que descartamos e não é reciclado.
Como poluente, o microplástico é uma ameaça em potencial para o meio ambiente e a saúde de animais e humanos. Por isso, os esforços para encontrar e analisar, tanto a presença quanto o risco que eles representam, têm crescido. “[A pesquisa] é necessária para suprir a ausência de diagnósticos sobre o tema no Brasil”, destaca Malafaia. Apesar de as coletas serem finalizadas apenas em maio, Malafaia diz que as expedições já evidenciaram “que as nossas praias estão altamente poluídas por microplásticos. Em todos os estados foi possível identificar partículas plásticas nas praias”. O pesquisador completa com perspectivas dos resultados: “os estados de São Paulo, Paraná, Sergipe e Bahia provavelmente estarão entre os mais poluídos”.

Expedições e coletas de amostra
Em expedições, o projeto MICROMar já passou por 1190 praias, tendo como único critério de escolha a possibilidade de acesso por terra. “Buscamos realizar coletas em um maior número possível de praias de modo a permitir a inclusão de áreas com diferentes características, apresentando variações de aspectos e indicadores, que serão importantes para relacionarmos com os níveis de poluição microplástica na costa brasileira”, conta Malafaia.
Em São Paulo, por exemplo, foram coletadas amostras em 88 praias, de Ilha Comprida Sul, em Ilha Comprida, à praia de Estaleiro, em Ubatuba. No total, foram cinco expedições. A primeira aconteceu na Paraíba, já a segunda no Espírito Santo. A terceira englobou Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Na quarta, as coletas foram feitas no Amapá, Pará, Maranhão, Piauí e Ceará. A quinta, e última, foi realizada no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.
As coletas, em cada uma das praias, é feita com a determinação de quadrantes, que servem de base para recolher areia e água. Cada quadrante gera cinco amostras de areia. A água é coletada na frente de cada ponto de coleta de areia. Dependendo do tamanho da orla, a praia pode gerar mais ou menos material.
Apesar de fazer parte do projeto, a USP não participou diretamente da pesquisa de campo. “A contribuição da USP é oferecer a nossa expertise, a experiência que a gente tem nas análises de microplástico”, explica Pompêo.
Malafaia ainda esclarece que a atuação da USP, em especial do grupo de pesquisa do professor Marcelo Pompêo, contribuirá “sobretudo, para a determinação dos índices de risco e de carga poluidora, e para a identificação dos fatores ou aspectos que estão contribuindo mais e menos com a poluição do litoral paulista”. A equipe que trabalha com Pompêo também tem contribuído com ações de educação, popularização e divulgação científica.


A poluição por plástico e microplástico no Brasil
No Brasil, a taxa de reciclagem de plástico é de 1,3%, abaixo do nível mundial, que é de 9%. “O Brasil, em particular, ocupa a 4ª posição no ranking dos países que mais produzem lixo plástico no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Índia. Logo, esse cenário tem um impacto direto nos níveis de poluição microplástica nos ecossistemas”, explica Malafaia. Os microplásticos já estão relacionados a danos na saúde de organismos e biomas aquáticos. No caso dos animais marinhos, por exemplo, seu consumo pode gerar uma falsa sensação de saciedade e afetar outras áreas da vida do animal, como a reprodução e o crescimento. Pompêo lembra que “o mar também está trazendo o microplástico que vem de fora [de outros países]. Não é só o microplástico que está vindo da própria costa brasileira”.

“Tirar o microplástico do meio [do dia-a-dia] é impossível, mas nós podemos mudar o uso. Tudo aquilo que é considerado de uso único poderia ser abolido, para que a gente desse um uso mais ‘nobre’ para o microplástico, com produtos que são mais duráveis”, completa Pompêo.


QUESTÕES

01. O polietileno é um polímero plástico amplamente utilizado em uma variedade de aplicações, incluindo embalagens, tubos, recipientes, brinquedos e móveis. É obtido através da polimerização do etileno (eteno) em um processo químico que forma longas cadeias de moléculas de polietileno.
A respeito das moléculas de polietileno, podemos afirmar:
A) apresentam duplas ligações entre carbonos, ou seja, são insaturadas.
B) são bastante resistentes, não sofrendo reações químicas como a combustão.
C) na temperatura ambiente estão organizadas como uma substância gasosa.
D) todos seus átomos de carbono são de geometria tetraédrica.
E) possuem átomos de carbono quiral (assimétricos).

02. O polipropileno é um tipo de plástico derivado do propileno (propeno), obtido através da polimerização desta substância formando longas cadeias. É amplamente utilizado em uma variedade de aplicações devido à sua resistência, leveza e versatilidade. Os principais usos do polipropileno incluem embalagens, como sacolas, recipientes e filmes estiráveis, bem como na fabricação de fibras têxteis para carpetes, tapetes e roupas. Além disso, é empregado na produção de produtos de consumo, como utensílios domésticos, brinquedos, móveis e peças automotivas, devido à sua durabilidade e capacidade de moldagem.
A respeito do polipropileno é INCORRETO afirmar
A) seu monômero tem cadeia normal, mas o polímero tem cadeia ramificada.
B) seu monômero tem cadeia insaturada, mas o polímero tem cadeia saturada.
C) a queima completa do monômero e do polímero geram os mesmos produtos.
D) seu monômero não tem carbonos terciários, mas o polímero tem.
E) tanto o monômero quanto o polímero possuem átomos de carbono quiral.

03. "A reciclagem é o processo de transformar resíduos em novos produtos daquele material, reduzindo o uso de recursos naturais e minimizando o impacto ambiental."
Conforme o conceito acima, um exemplo de reciclagem de plásticos é
A) utilizar garrafas de refrigerante do tipo PET vazias para guardar água na geladeira.
B) incineração de resíduos plásticos para a produção de energia em processos industriais.
C) mistura de resíduos plásticos com outros compostos para produzir material de pavimentação urbana.
D) derretimento e moldagem de resíduos plásticos para a produção de objetos, como brinquedos.
E) destilação térmica dos resíduos plásticos produzindo hidrocarbonetos menores que podem ser usados como combustíveis.

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GABARITO: 01.D   02.E   03.D

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Relatório identifica 476 espécies exóticas invasoras no Brasil (com questões ao final)

Revista Pesquisa Fapesp - Sarah Schmidt - Edição 338 - abr. 2024

Link para texto completo: https://revistapesquisa.fapesp.br/relatorio-identifica-476-especies-exoticas-invasoras-no-brasil/

Resumo: Há 15 anos, quem visitava o Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, em Florianópolis (SC), encontrava muitos pinheiros (Pinus spp.) espalhados pela paisagem arenosa. O cenário, apesar de belo, representava um problema ecológico: essas árvores, nativas da América do Norte, são umas das principais espécies exóticas invasoras do Brasil. Elas se dispersam facilmente e, naquela área de restinga, consomem muita água, afetam as propriedades do solo e prejudicam a vegetação nativa, que não se adapta à sua sombra.


Para contornar o problema, desde 2010 um programa conta com a ajuda de voluntários que cortaram as árvores do local e hoje monitoram e retiram novas mudas. “Conseguimos eliminar cerca de 420 mil pínus que invadiam o parque”, conta a bióloga Michele Dechoum, docente da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), coordenadora do projeto. “Agora, temos feito um trabalho de conscientização com os donos das propriedades do entorno, onde ainda há pinheiros, e suas sementes eventualmente ainda se infiltram no parque”, complementa. O programa é fruto de uma parceria da UFSC com o Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, organização não governamental com sede na capital catarinense.


Apesar de ter um importante valor comercial para a produção de madeira e de celulose, o pínus pode se tornar uma ameaça quando não controlado dentro de sua área de cultivo ou se plantado sem planejamento. Trata-se de uma das 476 espécies exóticas invasoras identificadas no país – 268 animais e 208 plantas e algas (ver infográfico) –, segundo relatório temático lançado no início de março pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES). Boa parte delas tem valor econômico e foi introduzida para criação de animais, silvicultura, aquicultura, por meio do comércio ilegal de bichos de estimação ou pelo mercado de plantas ornamentais. Há ainda aquelas que chegaram de maneira acidental.


O dano não é apenas ambiental. De acordo com o relatório da BPBES, um grupo de 16 delas causou prejuízos de até US$ 105 bilhões entre 1984 e 2019 para a economia brasileira, uma média de US$ 3 bilhões por ano em setores como agricultura, exploração comercial de árvores e saúde. Um sumário para tomadores de decisão foi lançado em conjunto com o relatório.

A proliferação de espécies invasoras é uma das cinco principais causas de perda de biodiversidade no país, mas o problema é menos lembrado do que fatores como mudanças climáticas, perda de hábitat, poluição e exploração incorreta de recursos naturais. Segundo o documento, a tendência é de que as invasões aumentem de 20% a 30% até o final do século. “Ainda não existe uma lista nacional oficial de espécies exóticas invasoras. Procuramos contribuir para preencher essa lacuna e ajudar na formulação de políticas públicas”, observa Dechoum, uma das coordenadoras do levantamento. O relatório foi elaborado por 100 pesquisadores, entre autores, colaboradores e revisores de instituições de pesquisa, órgãos públicos e terceiro setor.

Muitas das espécies listadas já estão incorporadas ao dia a dia dos brasileiros. São plantas ornamentais que enfeitam jardins; árvores que fazem sombras nas ruas, como as acácias australianas (Acacia mangium e A. auriculiformis) e as jaqueiras; além de animais presentes no cardápio brasileiro, como as tilápias, que quando escapam dos criadouros podem se tornar dominantes em lagos e lagoas, e os tucunarés. Animais domésticos, como cães e gatos, também estão na lista – quando abandonados ou deixados soltos, mesmo tendo donos, podem se tornar predadores em parques e florestas urbanas. É considerada invasora toda espécie que esteja fora de sua área de distribuição natural e que se prolifere com facilidade a ponto de prejudicar a sobrevivência de espécies nativas.

O mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), por exemplo, molusco comum na China, chegou ao país na água de lastro dos navios e hoje invade hidrelétricas, estações de tratamento de água e fazendas de aquicultura, causando prejuízos econômicos. Já as espécies conhecidas como coral-sol (Tubastraea coccinea e T. tagusensis) são um dos principais problemas nos ecossistemas marinhos. Originárias do oceano Pacífico, instalam-se em recifes e costões rochosos e têm alto potencial de invasão: suas taxas de crescimento são de três a quatro vezes maiores que as dos corais nativos brasileiros. Elas já se espalharam ao longo de 3 mil quilômetros (km) entre o litoral de Santa Catarina e do Ceará, trazidas principalmente por plataformas de óleo e gás, mais suscetíveis às bioincrustações.

Nem as áreas de proteção estão livres: cerca de 30% das Unidades de Conservação do país têm registros de espécies invasoras, a maioria delas localizada na Mata Atlântica. “Nenhum local está imune, mas áreas degradadas ou com alta circulação de pessoas, terras cultivadas, represas, reservatórios, portos e canais têm muito mais espécies introduzidas do que as conservadas”, observa a bióloga Andrea Junqueira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das coordenadoras do relatório.

No relatório brasileiro, os pesquisadores conseguiram reunir estudos de impacto sobre 239 das 476 espécies invasoras identificadas no país e concluíram que elas causaram mais de mil impactos negativos e apenas 33 positivos. As espécies que mais causaram problemas foram as introduzidas de maneira intencional, muitas delas ligadas a alguma atividade econômica.


Apesar de a disseminação dessas espécies ser considerada crime, há casos em que elas escapam para o ambiente por negligência. O caracol-gigante-africano (Lissachatina fulica) foi trazido ao país para ser criado e comercializado como escargô (caracol comestível), mas, com a pouca demanda, foi solto no ambiente e espalhou-se pelo país. Hospedeiro de parasitas que podem prejudicar a saúde humana e de animais domésticos, eles ainda disputam alimentos com os moluscos nativos e eliminam brotos de plantas.

O biólogo Mário Orsi, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), observa que os escapes e as solturas de peixes em água doce são os principais problemas enfrentados nos ecossistemas brasileiros. Segundo ele, além da tilápia, a preocupação do momento é com o panga (Pangasianodon hypophthalmus), um peixe similar ao bagre. Originário da Ásia, onde é cultivado para alimentação, chega a pesar 35 quilogramas (kg) e tem potencial para dominar o ambiente em que for introduzido. “Muitos municípios estão legalizando sua criação em águas públicas, em tanques-rede, que são sistemas com vários casos de escapes reportados, como também é o caso das tilápias”, diz. Segundo Orsi, o ideal é criar essas espécies exóticas invasoras em tanques escavados na terra ou em sistemas com mais tecnologia e isolados dos cursos d’água.


Como a introdução de muitas dessas espécies está ligada a sistemas produtivos, os pesquisadores alertam que é preciso estabelecer ações de prevenção no licenciamento desses locais, inclusive com propostas de manejo e zoneamento ambiental. Para isso, destaca Junqueira, da UFRJ, o país já dispõe de subsídios e normas legais que abarcam a questão das espécies exóticas invasoras, inclusive nos níveis estaduais e municipais.

“Nosso maior desafio é criar sistemas de prevenção, monitoramento e detecção precoce do problema”, observa Dechoum. O tempo para detecção e ação depende, também, do tipo de espécie. O peixe-leão (Pterois volitans), por exemplo, de origem indo-asiática, que tem alta capacidade de predar espécies nativas, chegou ao país em 2020, vindo do Caribe. Em três anos, espalhou-se por mais 2.700 km da costa brasileira. Perceber como as espécies se comportam em ambientes similares pode ajudar num plano de ação precoce. Investir na formação de pessoas que saibam trabalhar com manejo adequado dessas espécies, em órgãos de administração municipais e estaduais, é outra ação essencial, segundo os pesquisadores.

Mostrar alternativas de substituição das espécies invasoras para setores com valor produtivo também é uma ação importante. Em fevereiro, um guia ilustrado chamado AlterNativas foi lançado com o objetivo de ajudar paisagistas e demais profissionais da área a reconhecer 37 plantas exóticas do litoral de Santa Catarina e substituí-las por 93 nativas da região. Na mesma linha, a botânica Daniela Zappi, da Universidade de Brasília (UnB), elaborou uma lista com 49 espécies de árvores nativas da Amazônia que pudessem reforçar a arborização urbana na região, onde é comum ver muitas espécies exóticas como ipês-rosa (Tabebuia rosea) e mangueiras (Mangifera indica).

Outra medida é disponibilizar documentos que resumam evidências científicas para formuladores de políticas públicas. “Ter um sumário para tomadores de decisão pode ajudar a jogar luz nessas degradações silenciosas”, avalia a bióloga Isabel Belloni Schmidt, da UnB, que não participou da elaboração do relatório. “Nem sempre é verdadeira a impressão de que, se há uma paisagem repleta de verde, está tudo bem. Há lugares aparentemente bem conservados cuja biodiversidade está sendo destruída”, completa.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a  licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. 


QUESTÕES

01. Entre as razões mais comuns para uma espécie exótica animal tornar-se invasora, podemos citar:

A) Grande resistência do meio ambiente em relação a tal espécie.
B) Ausência de predadores, competidores ou parasitas no ambiente ocupado.
C) Inabilidade em competir por recursos com as espécies nativas do novo ambiente.
D) Estabelecimento de relações de protocooperação ou mutualismo com outras espécies.
E) Dependência exclusiva de um único tipo de alimento.


02. Analise as duas informações seguintes sobre espécies exóticas invasoras:

"O mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), molusco comum na China, chegou ao país na água de lastro dos navios e hoje invade hidrelétricas, estações de tratamento de água e fazendas de aquicultura, causando prejuízos econômicos."

"O caracol-gigante-africano (Lissachatina fulica) foi trazido ao país para ser criado e comercializado como escargô (caracol comestível), mas, com a pouca demanda, foi solto no ambiente e espalhou-se pelo país."

O mexilhão-dourado e o caracol-gigante-africano têm em comum:

A) Sistema circulatório fechado, com presença de capilares e pigmentos no sangue.
B) Rádula, estrutura presente no tubo digestivo para realizar a trituração do alimento.
C) Esqueleto externo formado por concha predominantemente calcária.
D) Excreção por meio de células-flama ligadas a ductos excretores.
E) Respiração por meio de um pulmão simples situado na cavidade do manto.

03. "Nem as áreas de proteção estão livres: cerca de 30% das Unidades de Conservação do país têm registros de espécies invasoras, a maioria delas localizada na Mata Atlântica. “Nenhum local está imune, mas áreas degradadas ou com alta circulação de pessoas, terras cultivadas, represas, reservatórios, portos e canais têm muito mais espécies introduzidas do que as conservadas”, observa a bióloga Andrea Junqueira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)."

É um exemplo de Unidade de Conservação de Proteção Integral:

A) APA (Área de Proteção Ambiental).
B) APP (Área de Preservação Permanente).
C) RL (Reserva Legal).
D) Parques Nacionais e Parques Estaduais.
E) Terras Indígenas (Reservas Indígenas).

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GABARITO: 01.B   02.C   03.D

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Mercúrio do garimpo causa danos neurológicos aos Yanomami (com questões ao final)

Jornal da USP - Texto: Gabriele Mello - Arte: Diego Facundini

Link para matéria completa: https://jornal.usp.br/ciencias/mercurio-do-garimpo-causa-danos-neurologicos-aos-yanomami/

Resumo: Estudo apontou que todos os Yanomami de nove aldeias assediadas pelo garimpo foram contaminados; neuropatia periférica e desempenho cognitivo reduzido são principais problemas.

A crise sanitária que atinge a terra indígena Yanomami ganhou destaque nos últimos anos, relacionada ao avanço do garimpo ilegal, que tem levado fome, desnutrição, doenças infecciosas e a contaminação por mercúrio para essa população. Em parceria com a Fiocruz, o Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas (HC) da USP avaliou os efeitos neurológicos da contaminação em longo prazo dos indígenas do Alto Rio Mucajaí, em Roraima, por metilmercúrio. O estudo mostrou que neuropatia periférica e desempenho cognitivo reduzido foram as principais consequências neurológicas encontradas.

A neuropatia periférica compreende doenças que afetam os nervos ao longo do corpo, alterando a força e a sensibilidade nos braços, mãos, pernas e pés; sendo a causa mais conhecida, a diabete. Já o desempenho cognitivo reduzido afeta outra série de ações do dia a dia, como memória, aprendizado, linguagem e concentração.

A neuropatia periférica foi encontrada em 30% dos indígenas que participaram do estudo, enquanto o desempenho cognitivo reduzido, em 35% deles. No entanto, entre os 10% que apresentaram níveis de metilmercúrio no organismo acima de 6 microgramas por grama de cabelo – valor equivalente a seis vezes o limite recomendado pela agência de proteção ambiental dos Estados Unidos –, mais de 75% das pessoas apresentaram neuropatia periférica, e mais de 90% tinham o desempenho cognitivo reduzido.

“Não é uma situação em que você vai ter um problema amanhã, um grande número de intoxicados incapacitados. Mas nada impede de ter um grande grau de incapacidade acumulando ao longo dos anos”, comenta Gabriel Kubota, coordenador do Centro de Dor do no HC e um dos autores da publicação na revista Toxics, que explica que a falta de acesso ao sistema de saúde é um agravante da situação.

A contaminação por metilmercúrio

O estudo, liderado pela Fiocruz, mostrou que todos os indígenas Yanomami analisados estavam contaminados por metilmercúrio. Esse tipo de contaminação é conhecida como ambiental. “Nessa situação, o mercúrio cai no ambiente e reage com as moléculas, formando compostos que acabam entrando na cadeia alimentar e sendo ingeridos pelos seres vivos na região”, explica Kubota. A forma mais segura e eficaz de medir os níveis de metilmercúrio acumulado no organismo ao longo do tempo é através do cabelo.

Paulo Basta, pesquisador do Fiocruz e também autor da pesquisa, que atua na área de saúde indígena há mais de 25 anos, explica que “nos últimos anos a região do Alto Rio Mucajaí foi extremamente invadida por garimpeiros”, no entanto, a exposição dos indígenas ao mercúrio teve início na década de 1980, levando a mais de 40 anos de exposição. “A crise sanitária experienciada no território Yanomami em 2022 foi pior que a vivenciada no final dos anos 1980 por causa do potencial devastador maior do garimpo”, completa.


“A gente tem dados nesse sentido [de análise de contaminação de mercúrio] desde a metade da década de 1990, mas continua assim”, sinaliza Kubota. “[O estudo] coloca mais uma pedrinha, mostrando para a gente que, talvez, as coisas não mudaram tanto”, e complementa que “com isso [o estudo], a gente consegue trazer dados para que seja discutido em um nível maior quais as próximas mudanças que poderiam ser feitas para regulamentar e evitar que continue um processo que vai trazer consequências cada vez maiores para essa população”.

Yanomamis do alto rio Mucajaí sofrem com ação do garimpo

O artigo feito em colaboração com o Departamento de Neurologia do HC é parte de um estudo realizado pelo grupo de pesquisa Ambiente, Diversidade e Saúde, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), que gerou o relatório técnico Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente, realizado em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e com apoio do Instituto Socioambiental (ISA).

A pesquisa, que acaba de ser divulgada, surgiu por intermédio do pedido da Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima, através de carta à Fiocruz, em outubro de 2021. Na carta, a associação demonstra sua preocupação com a presença dos garimpeiros e que, sabendo que a Fiocruz já tinha realizado trabalhos semelhantes, pede que analisem a presença de mercúrio entre os indígenas Ninam, com objetivo de saber se as pessoas e o ambiente estavam contaminados. As visitas, com intuito de coletar informações, começaram em outubro de 2022.

Contando com uma série de recomendações, o relatório evidencia dados como a falta de acesso a serviços de saúde e os efeitos do garimpo na região. Entre as crianças, apenas 15% está com a vacinação em dia, e a contaminação por mercúrio atinge também os peixes e os sedimentos dos rios da região, além de toda a população analisada.

“Não é a primeira vez que a Fiocruz faz uma pesquisa na terra Yanomami e comprova que nossos parentes estão contaminados pelo mercúrio. Isso é muito grave!”, diz o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Vitório Kopenawa em entrevista ao Instituto Socioambiental de Roraima, sobre os resultados encontrados.

No relatório, além das pesquisas voltadas à contaminação do mercúrio, também constam dados sobre a saúde dos Yanomami Ninam, com informações sobre medidas antropométricas, doenças transmissíveis e crônicas, avaliações pediátricas e características sociodemográficas de 300 pessoas de nove aldeias na região do Alto Rio Mucajaí. Paulo Basta destaca que “o mercúrio é só a ponta do iceberg dos problemas relacionados ao garimpo. Nessa base [do iceberg] nós temos uma série de outros problemas. E a gente não pode perder isso de vista quando fala dos impactos do garimpo nas terras indígenas”.


QUESTÕES:

01. "Um estudo, liderado pela Fiocruz, mostrou que todos os indígenas Yanomami analisados estavam contaminados por metilmercúrio. Esse tipo de contaminação é conhecida como ambiental. Nessa situação, o mercúrio cai no ambiente e reage com as moléculas, formando compostos que acabam entrando na cadeia alimentar e sendo ingeridos pelos seres vivos na região."

O texto acima indica uma das consequências da contaminação ambiental pelo mercúrio. O conceito que pode ser relacionado ao problema descrito é:

A) Eutrofização
B) Biorremediação
C) Bioindicadores
D) Magnificação Trófica
E) Autodepuração


02. Em um estudo realizado recentemente pela FioCruz com os indígenas Yanomami Ninam (de Roraima), constatou-se que 80% dos participantes relataram já ter tido malária e 25% das crianças com menos de 11 anos tem anemia.

Considerando essas informações e seus conhecimentos, podemos afirmar:

A) A malária é uma doença causada por protozoário e que pode ser evitada pela aplicação da vacina anti-amarílica.
B) Uma forma de prevenção da malária é o combate aos hospedeiros intermediários, os mosquitos do gênero Anopheles.
C) A anemia das crianças pode ser causada por falta de ferro, proteínas ou vitamina B na alimentação.
D) A anemia pode trazer outras complicações para o indivíduo como interferir de forma a aumentar o peso corporal dos indivíduos.
E) A principal característica da malária é a ocorrência de uma febre prolongada e constante, que pode perdurar por vários dias.


03. O esquema abaixo representa o ciclo do mercúrio na natureza:


Sabendo-se que o metilmercúrio (CHHg) é o principal contaminante dos animais e dos seres humanos, podendo ser transferido ao longo da cadeia alimentar, podemos afirmar:

A) A ligação ao grupo metil favorece a maior solubilidade do mercúrio nas gorduras corporais.
B) De acordo com o ciclo apresentado o mercúrio se apresenta como Hg⁰, Hg⁺ e Hg²⁺.
C) Nos sedimentos do fundo podemos encontrar o sulfato de mercúrio.
D) O Hg, no estado de metal líquido, é facilmente absorvido pelos peixes.
E) O (CH₃)₂Hg e o C₂H₆ são classificados quimicamente como hidrocarbonetos.


04. Sabendo-se que o Hg tem número atômico (Z) = 80, podemos afirmar que o cátion Hg² tem distribuição eletrônica por níveis:

A) 2.8.18.32.18.2
B) 2.8.18.32.18
C) 2.8.18.32.16.2
D) 2.8.18.30.18.2
E) 2.8.18.32.18.4

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GABARITO: 01.D   02.C   03.A   04. B

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Aumento de temperatura compromete fotossíntese de plantas do Cerrado (com questões ao final)

Jornal da USP - Texto: Felipe Faustino - Arte: Simone Gomes

Link para matéria completa: https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/aumento-de-temperatura-compromete-fotossintese-de-plantas-do-cerrado/

Resumo: O Cerrado, um dos biomas mais importantes do Brasil, pode enfrentar mudanças na composição da sua flora pelo aquecimento global. É o que revelam pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, que identificaram como o calor afeta a performance da fotossíntese das plantas da região.


Tony César de Sousa Oliveira, responsável pelo estudo, verificou, durante a pesquisa realizada para seu doutorado no programa de Biologia Comparada, que o aquecimento global é capaz de reduzir a eficiência da fotossíntese em espécies do Cerrado, uma vez que “as espécies de árvores estudadas têm um valor ótimo de temperatura foliar para realizar a fotossíntese muito próximo à temperatura média do ambiente”, explica o pesquisador. 

Outra questão levantada pelo estudo é que o calor começa a prejudicar a capacidade de fotossíntese de algumas plantas antes mesmo de atingir a temperatura ideal. Isso se dá principalmente pelo impacto da temperatura no funcionamento do fotossistema II (PSII), responsável por converter a energia luminosa em energia bioquímica usada no processo fotossintético. 

O estudo descobriu que a eficiência do PSII reduz pela metade quando a temperatura é semelhante ou ligeiramente superior à temperatura ambiente média local, evidenciando o impacto de temperaturas mais altas no limite da captação do carbono pelas plantas na região.

Orientador do estudo, o professor Tomas Domingues é responsável pelo Laboratório de Ecologia de Comunidades e Funcionamento de Ecossistemas (Ecoferp) da FFCLRP e adianta que os resultados acendem alertas sobre o Cerrado, que tem enfrentado aumento de temperaturas mais intenso em comparação com outros biomas brasileiros. A tendência, avalia o professor, é que “a situação deva se agravar ainda mais nos próximos 50 anos”, tornando a fotossíntese nos períodos mais quentes do dia “menos eficiente.”

Nova técnica

Para estudar a resposta à temperatura da vegetação do Cerrado, a equipe da USP de Ribeirão Preto criou uma variação do método de um ponto (OPM, na sigla em inglês para One Point Method). A versão original do OPM é uma abordagem mais rápida para estimar a “taxa máxima de atividade” da Rubisco, uma enzima responsável pelo primeiro e mais importante processo de fixação do carbono. 

Entretanto, esse método só é eficaz quando a temperatura da folha está abaixo de 30°C, o que limita o uso dessa técnica em regiões mais quentes, como no Cerrado, “onde, devido às condições climáticas, as folhas das plantas já atingem esse limiar por volta das 10 às 11 horas”.

Na nova versão do OPM, nomeada OPM-ρ, os pesquisadores adicionaram um fator de correção que considera a sensibilidade dos processos bioquímicos à variação de temperatura, o que permitiu estender o uso do método para estimar a capacidade de fotossíntese das folhas em temperaturas até 45°C. 

Com a adaptação, os pesquisadores puderam modelar a resposta à temperatura da eficiência da fotossíntese no Cerrado, observar a temperatura na qual a fotossíntese tem a sua melhor performance e em qual a eficiência fotossintética começa a diminuir.

Essas informações possibilitam o cálculo da margem de segurança térmica, que é a faixa de temperatura em que o sistema de fotossíntese ainda funciona bem em relação às temperaturas máximas ambientais, adiantam os biólogos.

O novo método e os resultados dos testes realizados pela equipe estão publicados no Journal of Experimental Botany e mostram as vantagens comparadas ao OPM original. Segundo Oliveira, esta nova abordagem deve contribuir para uma caracterização mais completa das comunidades vegetais em todo mundo, fornecendo dados para a estimativa do impacto da temperatura na vegetação global.

Biodiversidade e preservação

Ao avaliar a capacidade fotossintética de diferentes espécies, o orientador do estudo adianta que a ideia é facilitar a identificação das plantas mais vulneráveis às mudanças de temperatura e prever como a biodiversidade global pode ser afetada no futuro. Com o aumento do calor, projeta-se que, nos períodos mais quentes do dia, a fotossíntese se torne menos eficiente, causando mudanças na composição de espécies no Cerrado, com as árvores se tornando menos proeminentes que as plantas de menor porte, como gramíneas e outros arbustos. Também é possível que “facilite uma maior ocorrência de espécies invasoras”, especula o professor. 

Para os pesquisadores, o cenário alerta para a necessidade de um maior entendimento sobre o funcionamento ecológico das espécies vegetais do Cerrado. “É fundamental garantir a preservação da biodiversidade desse ecossistema, promovendo a restauração de áreas degradadas e adotando práticas de manejo sustentável”, adverte Oliveira. 

O desmatamento da vegetação nativa para atividades agropecuárias e o desrespeito às normas do Código Florestal, lembra Domingues, contribuem para agravar as mudanças climáticas e ameaçam a sobrevivência do bioma, sendo necessária a aplicação de técnicas que respeitem o equilíbrio ambiental. 

A tese de doutorado Tolerância térmica em espécies vegetais de uma savana Neotropical: explorando as dependências de temperatura da fotossíntese em um bioma diverso foi apresentada à FFCLRP dia 8 de março de 2024, com orientação de Tomas Domingues e dos professores Elmar Veenendaal e David Kleijn, do Plant Ecology and Nature Conservation Group da Wageningen University & Research, Holanda.


QUESTÕES

01. O Cerrado é um importante bioma brasileiro que se estende por várias unidades da federação. As árvores do Cerrado geralmente apresentam as características seguintes, EXCETO

A) São árvores relativamente baixas, raramente atingindo os 10 metros de altura.

B) Encontram-se espaçadas, e entre elas há gramíneas e arbustos.

C) Possuem casca grossa (súber espesso) que as protegem de incêndios.

D) Apresentam raízes bastante superficiais, para captarem rapidamente a água das chuvas.

E) Apresentam folhas coriáceas, isto é, folhas duras e mais resistentes ao ataque de herbívoros.


02. O PSII (fotossistema II) é um complexo de substâncias químicas localizadas no cloroplasto de plantas e algumas algas. No cloroplasto, o PSII é encontrado especificamente

A) Na membrana externa.

B) Na membrana interna.

C) Nos tilacoides.

D) No estroma.

E) Associado ao material genético.


03. "A Rubisco é uma enzima responsável pelo primeiro e mais importante processo de fixação do carbono." A atuação da Rubisco se dá na fase ______________________ e ela pode ter sua estrutura modificada devido a ______________________ temperaturas.

As lacunas acima são melhores preenchidas por, respectivamente:

A) Escura - Baixas

B) Escura - Altas

C) Clara - Baixas

D) Clara - Altas

E) Fotoquímica - Baixas


04. "O desmatamento da vegetação nativa para atividades agropecuárias e o desrespeito às normas do Código Florestal contribuem para agravar as mudanças climáticas e ameaçam a sobrevivência do Cerrado, sendo necessária a aplicação de técnicas que respeitem o equilíbrio ambiental."

Entre as técnicas que respeitem o equilíbrio ambiental está

A) A criação de corredores ecológicos.

B) O emprego maciço de fertilizantes no solo do Cerrado.

C) A introdução de novas espécies que possam modificar as condições existentes no Cerrado.

D) A criação de inúmeros poços para utilização da água dos lençóis substerrâneos.

E) O reflorestamento com espécies resistentes como Pinus e Eucalyptus.


05. Pesquisas recentes têm demonstrado que altas temperaturas podem prejudicar a ocorrência de fotossíntese nas plantas do Cerrado. Provavelmente, tais temperaturas interferem especialmente com qual tipo de substância que participa da fotossíntese?

A) Citocromos

B) Enzimas

C) Clorofila

D) Gás Carbônico

E) Oxigênio


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GABARITO: 01.D   02.C   03.B   04.A   05.B

sábado, 13 de abril de 2024

A química da ressaca (com questões ao final)

REVISTA CIÊNCIA HOJE - Abril 2024 [CH 408] Raoni Schroeder / Instituto de Química / UFRJ


Resumo: Embora o dia seguinte pareça maldição de Baco, uma nova molécula pode estar por trás das dores de cabeça provocadas pelo vinho tinto.
Durante muito tempo, os sulfitos foram considerados os grandes vilões por trás das dores de cabeça provocadas pelo consumo de vinho tinto. Eles são adicionados ao vinho como conservantes, mais especificamente por seu potencial antioxidante. De fato, muitas pessoas são sensíveis a sulfitos, principalmente quem sofre com asma. Os efeitos colaterais incluem dores de cabeça, urticária, tonturas e dificuldade respiratória. 
Porém, em artigo publicado por pesquisadores da Universidade da Califórnia, uma nova hipótese para esses efeitos indesejados foi levantada, e eis que surge uma nova vilã: a quercetina, molécula da classe dos flavonoides, que são substâncias presentes em diversos vegetais, incluindo a uva. A notícia causou alvoroço e foi disseminada pela grande mídia. Cabe, porém, um olhar mais de perto para a bioquímica envolvida nesse processo. 
A quercetina está relacionada ao metabolismo do etanol, o popular álcool, em nosso organismo. O etanol, por si, é responsável por uma série de efeitos ligados à ressaca, como desidratação, insônia e alterações nos sistemas cardiovascular e endócrino. Mas a história não para aí. 
O etanol é metabolizado no fígado, em um primeiro momento, pela atuação de uma enzima chamada álcool desidrogenase, que leva à formação de um composto tóxico, o acetaldeído, responsável pelas sensações de náuseas e dores de cabeça associadas ao consumo do álcool. Para tentar se livrar do acetaldeído, o organismo o transforma em acetato, com a atuação de uma segunda enzima, a aldeído desidrogenase. O acetato (derivado do ácido acético, aquele presente no vinagre) é inocente e pode estar associado a efeitos benéficos ao organismo humano. É aí que a nossa vilã entra na história! O que a quercetina faz é inibir a atuação da enzima aldeído desidrogenase, bloqueando o metabolismo do acetaldeído e, consequentemente, aumentando a concentração dessa substância tóxica em nosso organismo, o que leva à ressaca.
Vale ressaltar que a aldeído desidrogenase é, na verdade, uma grande família de enzimas que se diferenciam apenas por pequenas variações estruturais. Logo, suas funções vão muito além do metabolismo do acetaldeído – elas atuam na desintoxicação de nossas células, eliminando uma série de toxinas provenientes do metabolismo de fármacos, vitaminas, aminoácidos e até mesmo da ação da radiação ultravioleta. Em nossos tecidos oculares, por exemplo, encontramos altas concentrações de aldeído desidrogenases, que nos protegem dos efeitos nocivos da exposição ao sol. 
As duas isoformas da aldeído desidrogenase mais importantes para o metabolismo do acetaldeído são a ALDH1 e a ALDH2. Esta última, encontrada nas mitocôndrias, tem uma afinidade maior pelo acetaldeído e, por isso, pode convertê-lo em acetato mais rapidamente. O referido artigo relata o efeito inibitório da quercetina na ALDH2. 
O potencial de determinadas substâncias de inibir a aldeído desidrogenase era algo já conhecido pelos cientistas, sendo uma estratégia utilizada no tratamento do alcoolismo. O dissulfiram, descoberto da década de 1940, foi o primeiro fármaco aprovado para tratamento da dependência crônica de álcool e atua justamente dessa forma: pessoas que tomam o medicamento, ao consumirem bebidas alcoólicas, sentem efeitos indesejáveis em razão do acúmulo de acetaldeído no organismo.
Se você chegou até aqui na esperança de que a química possa ajudar a reduzir as dores de cabeça associadas ao consumo de vinho tinto, sinto muito. Por enquanto, a recomendação é beber menos! E também apreciar a beleza do estudo científico, não apenas por trazer uma maior compreensão de como determinadas substâncias atuam em nosso organismo, mas pelas possibilidades que ele pode abrir do ponto de vista tecnológico. Exemplo? A quercetina pode servir como base para o desenvolvimento de novos fármacos que auxiliem no tratamento do alcoolismo, com menos efeitos colaterais que aqueles associados ao dissulfiram. Além disso, compostos capazes de inibir outras isoformas da aldeído desidrogenase estão sendo estudados como alternativas para o tratamento de doenças como o câncer, a obesidade e doenças cardiovasculares.

QUESTÕES

01. A quercetina, presente na uva, é uma substância que pode potencializar a ocorrência da "ressaca" após a ingestão de vinho. Já o dissulfiram é um fármaco utilizado no tratamento da dependência crônica do álcool. Suas fórmulas encontram-se abaixo:


Comparando-se as duas substâncias, é CORRETO afirmar:
A) Ambas possuem átomos de carbono primários.
B) Ambas possuem átomos de carbono de geometria trigonal plana.
C) A combustão completa das duas substâncias origina apenas CO e HO.
D) A quercetina possui a função cetona e o dissulfuram possui a função amida.
E) A presença da função álcool na quercetina explica sua presença no vinho.

02. "Durante muito tempo, os sulfitos foram considerados os grandes vilões por trás das dores de cabeça provocadas pelo consumo de vinho tinto. Eles são adicionados ao vinho como conservantes, mais especificamente por seu potencial antioxidante."
Qual dos compostos seguintes é um sulfito e sua fórmula está escrita corretamente?
A) NaSO
B) NaSO
C) KSO
D) KSO
E) NaHSO

03. Etanol, acetaldeído e ácido acético possuem em comum: 
A) Ligação dupla carbono-oxigênio. 
B) Dois átomos de carbono em sua estrutura. 
C) Apenas um átomo de oxigênio em sua estrutura. 
D) Átomos de carbono secundário. 
E) Átomos de carbono quiral (assimétrico).


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GABARITO: 01.B   02.D   03.B