Revista Pesquisa Fapesp - Sarah Schmidt - Edição 338 - abr. 2024
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Resumo: Há 15 anos, quem visitava o Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, em Florianópolis (SC), encontrava muitos pinheiros (Pinus spp.) espalhados pela paisagem arenosa. O cenário, apesar de belo, representava um problema ecológico: essas árvores, nativas da América do Norte, são umas das principais espécies exóticas invasoras do Brasil. Elas se dispersam facilmente e, naquela área de restinga, consomem muita água, afetam as propriedades do solo e prejudicam a vegetação nativa, que não se adapta à sua sombra.
A proliferação de espécies invasoras é uma das cinco principais causas de perda de biodiversidade no país, mas o problema é menos lembrado do que fatores como mudanças climáticas, perda de hábitat, poluição e exploração incorreta de recursos naturais. Segundo o documento, a tendência é de que as invasões aumentem de 20% a 30% até o final do século. “Ainda não existe uma lista nacional oficial de espécies exóticas invasoras. Procuramos contribuir para preencher essa lacuna e ajudar na formulação de políticas públicas”, observa Dechoum, uma das coordenadoras do levantamento. O relatório foi elaborado por 100 pesquisadores, entre autores, colaboradores e revisores de instituições de pesquisa, órgãos públicos e terceiro setor.
Muitas das espécies listadas já estão incorporadas ao dia a dia dos brasileiros. São plantas ornamentais que enfeitam jardins; árvores que fazem sombras nas ruas, como as acácias australianas (Acacia mangium e A. auriculiformis) e as jaqueiras; além de animais presentes no cardápio brasileiro, como as tilápias, que quando escapam dos criadouros podem se tornar dominantes em lagos e lagoas, e os tucunarés. Animais domésticos, como cães e gatos, também estão na lista – quando abandonados ou deixados soltos, mesmo tendo donos, podem se tornar predadores em parques e florestas urbanas. É considerada invasora toda espécie que esteja fora de sua área de distribuição natural e que se prolifere com facilidade a ponto de prejudicar a sobrevivência de espécies nativas.
O mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), por exemplo, molusco comum na China, chegou ao país na água de lastro dos navios e hoje invade hidrelétricas, estações de tratamento de água e fazendas de aquicultura, causando prejuízos econômicos. Já as espécies conhecidas como coral-sol (Tubastraea coccinea e T. tagusensis) são um dos principais problemas nos ecossistemas marinhos. Originárias do oceano Pacífico, instalam-se em recifes e costões rochosos e têm alto potencial de invasão: suas taxas de crescimento são de três a quatro vezes maiores que as dos corais nativos brasileiros. Elas já se espalharam ao longo de 3 mil quilômetros (km) entre o litoral de Santa Catarina e do Ceará, trazidas principalmente por plataformas de óleo e gás, mais suscetíveis às bioincrustações.
Nem as áreas de proteção estão livres: cerca de 30% das Unidades de Conservação do país têm registros de espécies invasoras, a maioria delas localizada na Mata Atlântica. “Nenhum local está imune, mas áreas degradadas ou com alta circulação de pessoas, terras cultivadas, represas, reservatórios, portos e canais têm muito mais espécies introduzidas do que as conservadas”, observa a bióloga Andrea Junqueira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das coordenadoras do relatório.
No relatório brasileiro, os pesquisadores conseguiram reunir estudos de impacto sobre 239 das 476 espécies invasoras identificadas no país e concluíram que elas causaram mais de mil impactos negativos e apenas 33 positivos. As espécies que mais causaram problemas foram as introduzidas de maneira intencional, muitas delas ligadas a alguma atividade econômica.
O biólogo Mário Orsi, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), observa que os escapes e as solturas de peixes em água doce são os principais problemas enfrentados nos ecossistemas brasileiros. Segundo ele, além da tilápia, a preocupação do momento é com o panga (Pangasianodon hypophthalmus), um peixe similar ao bagre. Originário da Ásia, onde é cultivado para alimentação, chega a pesar 35 quilogramas (kg) e tem potencial para dominar o ambiente em que for introduzido. “Muitos municípios estão legalizando sua criação em águas públicas, em tanques-rede, que são sistemas com vários casos de escapes reportados, como também é o caso das tilápias”, diz. Segundo Orsi, o ideal é criar essas espécies exóticas invasoras em tanques escavados na terra ou em sistemas com mais tecnologia e isolados dos cursos d’água.
“Nosso maior desafio é criar sistemas de prevenção, monitoramento e detecção precoce do problema”, observa Dechoum. O tempo para detecção e ação depende, também, do tipo de espécie. O peixe-leão (Pterois volitans), por exemplo, de origem indo-asiática, que tem alta capacidade de predar espécies nativas, chegou ao país em 2020, vindo do Caribe. Em três anos, espalhou-se por mais 2.700 km da costa brasileira. Perceber como as espécies se comportam em ambientes similares pode ajudar num plano de ação precoce. Investir na formação de pessoas que saibam trabalhar com manejo adequado dessas espécies, em órgãos de administração municipais e estaduais, é outra ação essencial, segundo os pesquisadores.
Mostrar alternativas de substituição das espécies invasoras para setores com valor produtivo também é uma ação importante. Em fevereiro, um guia ilustrado chamado AlterNativas foi lançado com o objetivo de ajudar paisagistas e demais profissionais da área a reconhecer 37 plantas exóticas do litoral de Santa Catarina e substituí-las por 93 nativas da região. Na mesma linha, a botânica Daniela Zappi, da Universidade de Brasília (UnB), elaborou uma lista com 49 espécies de árvores nativas da Amazônia que pudessem reforçar a arborização urbana na região, onde é comum ver muitas espécies exóticas como ipês-rosa (Tabebuia rosea) e mangueiras (Mangifera indica).
Outra medida é disponibilizar documentos que resumam evidências científicas para formuladores de políticas públicas. “Ter um sumário para tomadores de decisão pode ajudar a jogar luz nessas degradações silenciosas”, avalia a bióloga Isabel Belloni Schmidt, da UnB, que não participou da elaboração do relatório. “Nem sempre é verdadeira a impressão de que, se há uma paisagem repleta de verde, está tudo bem. Há lugares aparentemente bem conservados cuja biodiversidade está sendo destruída”, completa.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
QUESTÕES
01. Entre as razões mais comuns para uma espécie exótica animal tornar-se invasora, podemos citar:B) Ausência de predadores, competidores ou parasitas no ambiente ocupado.
C) Inabilidade em competir por recursos com as espécies nativas do novo ambiente.
D) Estabelecimento de relações de protocooperação ou mutualismo com outras espécies.
E) Dependência exclusiva de um único tipo de alimento.
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