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Resumo: No sábado (16/03/2024), o primeiro paciente vivo recebeu um transplante de rim suíno geneticamente modificado, um procedimento histórico comandado por médico brasileiro
O hospital Massachusetts General Hospital (MGH), em Boston, nos Estados Unidos, anunciou nesta quinta-feira (21/03/2024) o primeiro transplante de rim de porco, geneticamente modificado, para um paciente humano vivo. Em comunicado, o hospital afirma que o procedimento inédito foi bem-sucedido e é “um marco histórico no campo emergente do xenotransplante” — nome técnico do transplante de órgãos ou tecidos de uma espécie para outra.
A cirurgia foi comandada pelo médico brasileiro Leonardo Riella, diretor de transplante renal do MGH. Essa é a primeira vez que um transplante desse tipo foi feito em um paciente vivo. Em 2021, uma equipe de Nova York realizou um procedimento semelhante, como parte de uma pesquisa, mas em uma pessoa que tinha sofrido morte cerebral.
De acordo com o comunicado divulgado pelo hospital, o paciente que recebeu o rim de porco transplantado foi um homem de 62 anos, que vive com uma doença renal em estágio avançado. A cirurgia aconteceu no último sábado e, além de Riella, também foi comandada por Tatsuo Kawai, diretor do Centro Logorreta para Tolerância Clínica a Transplantes, e Nahel Elias, chefe interino de Cirurgia de Transplante e diretor de Cirurgia de Transplante de Rim.
O procedimento foi realizado após o aval da FDA (Food and Drug Administration) — equivalente à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nos Estados Unidos. A aprovação, sob o Protocolo de Acesso Expandido, é concedida a um único paciente ou grupo de pacientes com doenças ou condições graves e potencialmente fatais para obter acesso a tratamentos experimentais quando não houver outras opções de tratamento ou terapias.
Como um rim de porco se torna compatível com o corpo humano?
Segundo o hospital, o rim de porco sofreu 69 edições genômicas para ser transplantado em um humano vivo. O órgão foi fornecido pela eGenesis de Cambridge, em Massachusetts, de um doador suíno que foi geneticamente editado usando uma tecnologia para remover genes suínos prejudiciais e adicionar genes humanos para melhorar a sua compatibilidade com humanos.
Além disso, os cientistas inativaram retrovírus presentes no doador suíno para eliminar qualquer risco de infecção em humanos. Nos últimos cinco anos, o MGH e a eGenesis conduziram extensas pesquisas na área de xenotransplante, tendo suas descobertas publicadas na revista científica Nature em 2023.
“Existem vários centros no mundo que estão modificando geneticamente os suínos para que eles possam ser doadores de órgãos para humanos e isso chamamos de suínos geneticamente modificados”, explica Elias David Neto, nefrologista do Hospital Sírio-Libanês, à CNN.
“A novidade agora é que os médicos norte-americanos colocaram em uma pessoa viva que estava em diálise um rim de porco geneticamente modificado, o que é um grande avanço, porque só será possível obter informações do que pode dar errado nesse tipo de procedimento quando fizerem o experimento”, comenta o especialista.
O paciente que recebeu o rim suíno geneticamente modificado já havia passado por um transplante de rim humano anteriormente, mas o órgão começou a falhar em 2023. Diante do quadro, os médicos que o acompanham sugeriram o transplante de rim de porco, explicando os prós e contras do procedimento.
“Eu vi isso não apenas como uma forma de me ajudar, mas também como uma forma de dar esperança às milhares de pessoas que precisam de um transplante para sobreviver”, diz o paciente Richard ‘Rick’ Slayman, em comunicado. Desde o procedimento, ele não está em diálise.
De acordo com David Neto, as drogas que são utilizadas após um transplante de rim humano — usadas no tratamento para evitar a rejeição do novo órgão — são as mesmas que estão sendo utilizadas no transplante de rim suíno.
“Uma das drogas que os médicos estão utilizando nesse procedimento atual está sendo aprovada para uso em transplantes, pois é uma droga nova”, afirma. “Mas, como já disse, só saberemos o que vai dar certo e o que vai dar errado a partir de novos experimentos como esse. Existem hormônios e substâncias que são produzidos após o transplante que precisamos entender se vão funcionar. O que já sabemos de estudos feitos em primatas não humanos foi útil, mas têm questões que acontecem com esses primatas que podem não ocorrer em humanos”, completa.
Histórico de xenotransplantes no mundo
O campo de xenotransplantes está em constante crescimento. Apesar de esse ter sido o primeiro transplante de rim de porco feito em um humano vivo, não é o primeiro procedimento que transplanta órgãos de animais em corpos humanos. Outros experimentos já foram realizados anteriormente.
Os primeiros estudos na área foram realizados em primatas não humanos, que receberam órgãos suínos geneticamente modificados. “No entanto, esses estudos se extinguiram, não tem como avançar mais neles, então foi preciso começar os experimentos com pessoas”, contextualiza David Neto.
Diante disso, foram realizados dois transplantes de coração de porco em pessoas vivas. O primeiro caso foi de um homem de 57 anos de Maryland, nos Estados Unidos, que recebeu o coração suíno geneticamente modificado em 2022. Ele sofria de uma doença cardíaca terminal e o órgão era “a única opção disponível” na época, de acordo com comunicado divulgado pela Escola de Medicina da Universidade de Maryland.
Em 2023, um segundo paciente passou pelo mesmo transplante, também conduzido por médicos da Universidade de Maryland. O homem de 58 anos viva com uma doença cardíaca em estágio terminal e havia sido considerado inelegível para um transplante tradicional.
Anos antes, em 2021, foi realizado o primeiro transplante de rim de porco em humano, mas em uma paciente que havia tido morte cerebral com sinais de disfunção renal. Por três dias, o novo rim foi ligado às suas veias e artérias sanguíneas e mantido do lado de fora de seu corpo, o que garantiu acesso aos pesquisadores. O transplante de rim suíno mais recente foi o primeiro em um receptor vivo, representando um marco histórico e “uma potencial solução para a escassez mundial de órgãos”, segundo o MGH.
De acordo com a Rede Unida para Compartilhamento de Órgãos (UNOS), mais de 100 mil pessoas nos EUA aguardam um órgão para transplante e 17 pessoas morrem todos os dias à espera de um órgão. Um rim é o órgão mais requisitado para transplante, e estima-se que as taxas de doença renal em estágio terminal aumentem de 29 a 68 por cento nos EUA até 2030, de acordo com estudos publicados no Journal of the American Society of Nephrology.
VEJA ABAIXO OUTRAS INFORMAÇÕES IMPORTANTES!!!
Xenotransplante é a troca de órgãos entre espécies diferentes. Atualmente, diversos centros de pesquisa pelo mundo (e inclusive no Brasil) investigam e já testam, na prática, o uso de porcos geneticamente modificados como origem para os órgãos que serão transplantados.
Entre os desafios para o sucesso dos xenotransplantes estão:
- a rejeição do órgão transplantados,
- o crescimento indevido do órgão e
- a transmissão de doenças.
No caso dos porcos, os principais órgãos em estudo para os xenotransplantes são rins e coração.
Inativação do vírus e doenças
É sabido pela ciência que alguns vírus encontrados em animais podem causar doenças graves em humanos. Em agosto de 2017, um estudo publicado pela revista "Science" trouxe uma nova luz sobre o assunto. A nova técnica de edição genética "Crispr", descoberta em 2012, permite que o código seja editado de forma precisa e muito mais barata.
Com base nesta nova técnica, cientistas conseguiram inativar um retrovírus suíno. Eles usaram a fertilização in vitro e manipulam o DNA do ovo fecundado antes que ele se transforme em embrião. Foi retirada a parte da cadeia genética responsável pela produção de enzimas e proteínas que causam rejeição em humanos.
Além da edição genética, os porcos usados em transplantes são criados em condições estéreis para evitar qualquer risco de contaminação.
Risco de crescimento exagerado do órgão
Os mais recentes procedimentos de transplante renal e cardíaco empregaram órgãos provenientes de porcos geneticamente modificados, conhecidos como "porcos de 10 genes", especificamente desenvolvidos para essa finalidade.
Esses porcos foram geneticamente ajustados para evitar reações dos órgãos doados aos hormônios de crescimento humano, prevenindo assim um crescimento descontrolado.
No total, 10 alterações foram feitas:
- Três genes – responsáveis por uma rápida rejeição de órgãos de porcos por humanos, mediada por anticorpos – foram “eliminados” no porco doador.
- Seis genes humanos responsáveis pela aceitação imunológica do coração de porco foram inseridos no genoma.
- Um gene do porco foi eliminado para evitar que o tecido cardíaco transplantado crescesse demais.
Risco de rejeição do órgão transplantado
Mesmo nos transplantes tradicionais, nosso sistema imunológico pode tratar o órgão transplantado como uma infecção e o atacar. Por isso são administrados imunossupressores, que são medicamentos que evitam a rejeição do órgão transplantado.
Em ao menos uma das técnicas usadas para evitar a rejeição do tecido suíno, cientistas experimentaram excluir na edição genética a presença da molécula de açúcar alfa-Gal*. Ela se prende às células dos porcos e funciona como um marcador que alerta o sistema imunológico de que aquilo se trata de um material estranho.
Há ainda outros "marcadores" que podem ser editados, conforme a linha de pesquisa, e "marcadores humanos" podem ser acrescentados ao órgão suíno para enganar nosso sistema imunológico.
* Alfa-gal, também conhecido como alfa-galactose ou galactose-alfa-1,3-galactose, é um tipo específico de açúcar encontrado em algumas carnes vermelhas, como carne de boi, carneiro e porco. Está presente em glicoproteínas da membrana celular de mamíferos não-primatas e funciona como um antígeno que pode ser atacado por nosso sistema imune, daí a importância de sua remoção.
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